São Paulo: a primeira missão de São José de Anchieta
25 de janeiro de 2020O Santuário Nacional de São José de Anchieta como centro irradiador de solidariedade
27 de janeiro de 2020Carta de uma voluntária
Esta é uma crônica epistolar sobre o movimento solidário no Santuário Nacional de São José de Anchieta que abrigou as pessoas com o desejo de ajudar as vítimas das enchentes do sul do Estado Espírito Santo, no verão de 2020, transformando-as em voluntárias para receberem, prepararem e distribuírem o conforto do alimento pronto e quentinho em marmitas.
Por Ligia Maria Fiorio Custódio Pessin
Caríssimos irmãos.
Desejo hoje contar-vos uma história que sucedeu na aldeia de Reritiba e suas proximidades, no Espírito Santo. Convém dizer-lhes que este relato contém um pouco das histórias que ouvimos e vimos desde a última sexta-feira, dia 17, quando uma chuva torrencial alterou, não só o curso dos rios, como também mudou para sempre o curso da vida e da história de muitos. Deixou marcas nas paredes e nos corações. Fixou diante dos olhos imagens incrédulas e na memória o sentido da força.
É sabido por todos que os desfeitos da enchente causaram dor, sofrimento e destruição. Imagens e sons, sabemos já terem chegado ao conhecimento de todos, podendo até mesmo terem sido vistas e ouvidas por alguns de vós que agora me escutam.
…
Silencio agora, pois também vem a mim estas recordações… É provável que se possa sentir a umidade em nossa face, agora de uma gota salgada, a qual chamamos lágrima. A mesma que se misturou às águas dos rios, às gotas de chuva e às torrentes: de amor e compaixão.
E é justamente sobre as impetuosas ondas de generosidade que hoje desejo contar-vos.
Era noite de uma sexta-feira de verão, via-se a chuva da janela e preparava-se uma madrugada de sono mais fresca. Ao barulho da chuva somou-se um estalar de notificações incomum.
Tudo está debaixo d’água! O rio enche rápido! A chuva não para.
O que eu posso fazer? Tem notícias da cidade? Conseguiu falar na roça?
O dia amanheceu movimentado. Isolados e desolados. Sozinhos, todos, inclusive nós. E a luz do sol como um flash revelava o que estava oculto pela escuridão da noite e confirmava: Tudo está debaixo d’água!
Nas torrentes de mensagens, imagens e notícias um pedido chamou a atenção: não temos o que comer e não temos onde preparar comida. Precisamos de ajuda.
Esta mensagem não ficou sem resposta.
Vamos fazer um sopão!
Sim! Mas, como? Precisamos de cozinha, de um lugar grande!
O Cespa está aberto!
E foi assim, prontamente, que a disponibilidade de servir tomou a forma de acolhida, encontro, abertura e alimento. Em menos de 24 h das primeiras notícias da enchente, as primeiras 600 refeições começaram a ser preparadas no Centro de Espiritualidade São José de Anchieta e foram entregues em Iconha na noite de sábado, dia 18. Uma semana depois, duplicamos a quantidade de marmitas e semeamos palavras doces em suas tampas.
Sabemos que não fomos os únicos a produzir comida, que Anchieta não foi o único lugar em que se manifestou a generosidade de tantos jovens, adultos, idosos e crianças.
Inúmeras pessoas doaram o que possuíam em suas casas; tantos foram os que usaram o pouco dinheiro que tinham para comprar alimento e água para os desabrigados; muitos doaram na enchente de ontem e hoje estão com suas casas inundadas pelas novas chuvas. Quisera eu dar voz a tantas histórias magníficas. Mas amor é um mistério insondável.
As manchas da dor, como lama, podem ser removidas com a água limpa do amor. Cada doação foi uma gota límpida de generosidade. E aqui, nasceu um grande poço de água cristalina onde muitos trouxeram seus baldes a fim de levar a água para dar de beber aos que necessitam.
É um novo Poço Jesuítico! À semelhança daqueles que os primeiros missionários jesuítas, como o próprio José de Anchieta, cuidavam de providenciar para que sempre tivesse água limpa para dar de beber aos índios, aos colonos e a qualquer visitante ou transeunte que tivesse sede no caminho.
E foi assim! Aqui, eu vi voluntários que vieram de longe se achegarem no Santuário e quando receberam uma refeição, uma água, um sorriso: se emocionaram. É a água límpida da caridade.
Sobre o agradecimento e a gratidão
Aos que enviaram todos os tipos de doações e em qualquer quantidade.
Aos que estiveram aqui doando tempo, força, apoio, canto.
Aos que ficaram em casa para que os voluntários trabalhassem.
Aos motoristas.
Aos padres jesuítas de Anchieta e Iconha que nos acolheram, nos ajudaram, abriram as portas das igrejas, do centro pastoral e da própria casa de vocês.
Aos que receberam o alimento….
A este lugar santo que agora também é sagrado para mim.
Aqui eu revivi. Quantos reviveram! Sozinha, não conseguiria. Este Santuário foi o ninho. Alçaremos voo. Talvez, não nos vejam, todos. Mas cada um aprendeu a voar, porque Deus nos criou para os mais altos ideais de Cristo.
A São José de Anchieta, que aqui, exatamente neste lugar a muitos recebeu e daqui partiu inúmeras vezes para ir ao encontro dos que necessitavam. Anchieta também abriu sua casa para receber a tantos, a qualquer hora. Entendi o que significa o legado de Anchieta.
Eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar. (Mateus 25, 35-36)
Ao Senhor, porque eu estava presa em mim mesma e vieste me visitar; estava com fome de amor e me deste de comer; estava com sede de companhia, e me deste de beber nesta fonte viva do amor ao próximo.
Em Anchieta, no verão do ano de 2020.
Como São José de Anchieta nos ensinou.
Assinado: a menor das voluntárias.